Noite clara, conduta instigante. Começo assim uma noite enfiada em delongas incessantes. Se a minha cabeça pudesse parar um instante, certamente eu dormiria, mas insisto em acordar daquele brando sonho de uma vida de começo e fim. Abro a janela para deixar que o vento leve tais sentenças. No alto, a lua deixando-se mirar mostra-se inócua. Ela sempre bela, donzela de várias faces, está embriagada de substâncias sápidas. Meu hálito não pode descortiná-la. Sim, estou com vinho em meus lábios, entre os dedos, na língua. Certa de si. "Não suporto coisas intocáveis, ao mesmo tempo me perco fascinada por elas". Fecho a janela, ignorada. Abro a minha caixa de dores para chorar um pouco, mas ela está despovoada. Não devo chorar. "Os deveres me cansam". Deixo, então, a caixa aberta, em cima da cômoda, para que alguma dor possa entrar e se sentir confortável. Vestir estas meias para proteger meus pés do frio foi inútil. Ouvi dizer que os pés quentes mantêm o corpo quente, mas sinto frio na espinha. Nada irá me livrar de mim. Nada. Limpo a boca, engolindo saliva e precisando de razão. Alterar meu consciente faz-me acordar com dores fortes na cabeça, para mais uma vez eu lembrar que meus pensamentos estão nela. Preciso de razão? “A razão me esgota”. Abro o livro que me encara toda noite em uma página qualquer. Leio. “Você precisa de outra tragédia, não é?”. Eu não. Ou sim? Ele é sobrevivente, o personagem do livro. Eu só quero um pouco mais de algo. Insaciável desejo humano de ser notado. Me entregaria ao excesso, se motivo eu tivesse, mas talvez a minha noite esteja acabando e o meio ainda queira ser encontrado, num sonho. Visto-me! Primeiro a calcinha depois o blusão cor de rosa. Sem meias, conduzida a buscar o meio.
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A noite é escura, preta, vaga. Adoro vagar devagar por ela.
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música: Noturno Op. 9 n 2, de Chopin