quinta-feira, 17 de julho de 2008

Veloz em tintas

Noite clara, conduta instigante. Começo assim uma noite enfiada em delongas incessantes. Se a minha cabeça pudesse parar um instante, certamente eu dormiria, mas insisto em acordar daquele brando sonho de uma vida de começo e fim. Abro a janela para deixar que o vento leve tais sentenças. No alto, a lua deixando-se mirar mostra-se inócua. Ela sempre bela, donzela de várias faces, está embriagada de substâncias sápidas. Meu hálito não pode descortiná-la. Sim, estou com vinho em meus lábios, entre os dedos, na língua. Certa de si. "Não suporto coisas intocáveis, ao mesmo tempo me perco fascinada por elas". Fecho a janela, ignorada. Abro a minha caixa de dores para chorar um pouco, mas ela está despovoada. Não devo chorar. "Os deveres me cansam". Deixo, então, a caixa aberta, em cima da cômoda, para que alguma dor possa entrar e se sentir confortável. Vestir estas meias para proteger meus pés do frio foi inútil. Ouvi dizer que os pés quentes mantêm o corpo quente, mas sinto frio na espinha. Nada irá me livrar de mim. Nada. Limpo a boca, engolindo saliva e precisando de razão. Alterar meu consciente faz-me acordar com dores fortes na cabeça, para mais uma vez eu lembrar que meus pensamentos estão nela. Preciso de razão? “A razão me esgota”. Abro o livro que me encara toda noite em uma página qualquer. Leio. “Você precisa de outra tragédia, não é?”. Eu não. Ou sim? Ele é sobrevivente, o personagem do livro. Eu só quero um pouco mais de algo. Insaciável desejo humano de ser notado. Me entregaria ao excesso, se motivo eu tivesse, mas talvez a minha noite esteja acabando e o meio ainda queira ser encontrado, num sonho. Visto-me! Primeiro a calcinha depois o blusão cor de rosa. Sem meias, conduzida a buscar o meio.
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A noite é escura, preta, vaga. Adoro vagar devagar por ela.
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música: Noturno Op. 9 n 2, de Chopin

3 comentários:

Anônimo disse...

Caramba!!!
Eu li duas vezes, estava pensando e pensando. Resolvi escutar o som.
Aí, ferrou. Que sensação... a música... a voz...

Estou pensando, no conteúdo e na forma (do texto mesmo)
Antecipadamente digo que algo esse texto me trará e receio um pouco porque é completamente escuro o caminho a que fui levado.

Priscila disse...

A gente está sempre querendo um pouco mais de algo. Talvez para tentar nos esconder de nós mesmos... Querer para não ver, sentir... Fugir, talvez?

Só passando prá visitar
Beijinhos

Lina disse...

Vontade de te por na rede e contar uma história. Posso?
Te amo