quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

E há beleza

Por pouco esqueço que eu sou a Michelle, aquela que usava uma blusa amarela, gola alta e que nunca quis evitar um sorriso. Em horas como essas, recorro a ele, o samba. Me sabe mais do que imagino.

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar
Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
(Candeia)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Criatura pregada

As certezas me assustam mais do que as dúvidas.

Liberdade?

Não sei. Arrisco, hoje, dizer que é a tradução do ser no seu estado bruto. A avalanche de sentidos somada à ação.
Dizer sim, quando se sente sim.
Dizer não, quando se sente não.
Andar, antes de engatinhar.
Pintar, antes de desenhar.
Amar, antes de beijar.
Transar, antes de se apaixonar.
Mais do que decidir é sentir e agir, agir e sentir.

Para além das máscaras

Atuar é como me virar do avesso. Os olhares da platéia me despem de toda a verdade segura, como se ela fosse seca. Seca a garganta, contrai e descontrai os músculos, exala cheiros. A história de vidas nasce tão intimamente quanto o colo da mãe e o choro do filho.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Apenas letras


"Quando um homem deixa de escolher, ele deixa de ser homem"


Stanley Kubrick




Ela não escolheu o senso comum.
Ele está impregando de mágoas e medos.
Preferiu se recrirar, se refazer, se reinventar, se destruir.
Ela não escolheu a bondade.
Ela é covarde.
Impede de agir e sentir a verdade inteira do seu próprio ser.

"Do que você se acha capaz?
De ser aceito?
Isso é tudo o que pode?"

Ela escolheu ser livre.
Foi aprisionada às regras da liberdade.
Padeceu.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Há tempos não chupo manga

A ignorância momentânea me leva aos deleitos prometidos em algum dia perdido. Na cama, sem nenhum cigarro depois do sexo e com um livro boquiaberto parado em cima do criado mudo. Nua, quis sentir ventar. Na varanda venta, lembro dele murmurar. Ventou até arrepiar.

Deitada no chão, olhei para a vida que anda lá fora. Entre listras, pude ver singularidades de uma rua qualquer. Hoje eu me lambuzei de manga, sem temer os fiapos que ficam no meio dos dentes. Gosto doce. Cheiro bom.

Voltei ao quarto incompleta. Apaguei a luz e lembro de ter dito "boa noite". Anos depois, lembraria do cafuné antes do sono profundo. Mais íntimo do que o sexo que fizemos, o sono. Isso é entrega. Dormi ao lado de um homem alto, de barba serrada, voz macia, toque áspero, desconhecido e poliglota - que nada tinha a falar.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

20 e poucos anos

Num mundo profano me dano.
Entre cheiros e sabores de tantos amores.
No vazio preenchido por atores.

Na esquina divina, divido e duvido.
Dos espelhos que me enxergam.
Das questões que me proponho.

Suponho ser mais, muito mais.
E ainda sim, sinto frio ao amanhecer.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Cibelle

Cibelle nunca foi capaz de questionar a igualdade. É igual desde que nasceu. Ela se repete como os éles do seu nome. Cibelle. Ah, como queria tocá-la, sentí-la. Sei mais dela do que de mim. Tão exata. Cada linha que me mostra revela perfeição. Cada linha que me mostra revela despudor. Cada linha que me mostra constrói massas, tecidos de horas que virão. Mais do que original, é igual.

Passaria dias olhando sua imagem, sentada na penteadeira. O que tens dentro destes olhos ingênuos? Por que me hipnotiza tanto me permitindo falar sem parar. Você tão calada. Eu tão articulada. Mas somente frente a ti. Quando não a vejo esqueço-me de mim. Quando a perco, o esforço para me tornar o que me fez enxergar parece tolo. Só Cibelle. Do que aprendi nada sei. Do que vi nada lembro. Do que falei tenho medo - a ti falei tudo. Quando sumiu dos meus sentidos busquei conselhos daqueles de anos bem vividos. Esvaziei-me, então. Sem perceber que aqueles de anos bem vividos jamais saborearam o gosto azedo, como eu e ela. Acreditei em palavras duras, verbos sujos, verdades descoradas. Recorri a ele, o azedo. Azedei meus poros desejando ignorância, desejando olhos vendados. Pude sentir exalar deleites sofridos em instantes inertes. Foi um alívio. Descalçada, sem linha alguma, decidi nutrir por dento o que de fora havia me dado. Refletida. Eu era apenas linhas e curvas. Só. As horas ainda virão e os passos devem ser cada vez mais certos.

O mundo de Cibelle tem carrossel e histórias em quadrinhos. Tem gargalhadas de garganta e sorrisos num piscar. Tem peito aberto e machucado no joelho. Tem segredos de ciranda, pega-pega e leite quente - que um dia irá azedar. E ainda laços de cabelo desenhados na pele. Cibelle é Michelle com todos os élles. Onde você está?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Caracol

É impressionante, quando a gente dobra as cordas elas voltam a se esticar. Tem coisa que precisa ficar no lugar. Aprendi isso na marra, sem amarra. Bom mesmo seria arrebentar. Estourar com tudo. Esticar, esticar, esticar até romper. Todo aquele emaranhado que parece não ter fim, um dia cessa. Bum. Acaba! Se bem que, às vezes, é mais fácil enrolar bonitinhho e guardar numa caixa. Ela finge que fica no lugar e você finge que ela está bem lá.
- Ainda não fiz a minha escolha. Deixo este texto assim, inacabado. -