segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Eterno vento gélido na face áspera de uma dama sem razão

Mãe, mãe, o grande dia chegou. Eu esperei tanto. Você esperou tanto! A gente nasce, cresce, se reproduz e morre, não é, mãe? Eu acho incrível como não me sinto completa a não ser que as pessoas estejam me olhando. Me de saudades de casa. Me de lembranças nostálgicas de minha infância. Flash!

Mãe, eu fiz direitinho todas as indicações. Cumprimentei os vizinhos. Sorri para as professoras da escola. Escovei os dentes. Aprendi todas as receitas. Criei objetivos de vida. Me tornei uma modelo famosa. Tomei a pílula do dia seguinte. E cadê o futuro que haviam me prometido? Já sei ele vai aparecer e me dar um susto daqueles, assim como você fazia quando eu era criança. Quando foi que o futuro deixou de ser uma promessa para ser uma ameaça?

Mãe presta atenção em mim. Eu menti. O véu que eu uso não é na cabeça... Eu perdi audiência, mãe. Você conhece o sentimento de se sentir invisível e mais invisível a cada dia? O véu que eu uso cobre o vento gelado que faz no meu rosto. Eu to tão cansada mãe. Que tipo de pessoa eu sou? Eu mudo de canal. Eu mudo de canal. Eu mudo de canal. Olho para as pessoas que sofreram acidentes com fogo e imagino quanto tempo de vida elas economizaram sem se olhar no espelho buscando imperfeições. A verdade, mãe, é que eu atirei em mim mesma e deformei o meu rosto. A verdade é que eu sinto muito. Me dê liberdade. Flash.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

"O sexo é a satisfação impossível. O amor é que justifica o fato de o homem ter nascido"
Nelson Rodrigues
"Uma pessoa que só tenha do mundo uma visão unilateral e rósea e que ignore a face negra da vida é uma pessoa multilada"
Nelson Rodirgues

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Sobre legumes e verduras

A vertigem me dá quando busco o tal do algo a mais em mim.
Será tudo efêmero nesta vida?
Os vertiginosos me parecem aqueles que têm algo a mais a dizer.
Será tudo teatro nesta vida?

Pois bem, ontem mesmo, conversava com um amigo sobre conhecer, sobre o conhecimento. Lamentei a ele, que a partir de tal fato jamais podemos voltar atrás. ‘Escolheria, eu, certos momentos para caminhar apenas, já que quando ando, sempre dou aquela olhadinha para trás, para os lados, para cima’. A ignorância, muitas vezes, é santa, mas eu, muitas vezes, esqueço-me de rezar.

| seg, ter, qua, qui, sex, sab, dom |

Um mergulho nisso tudo.




imagem de Thiago Abe

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Abaixo o discurso

3h40. Estar acordada até esta hora não é novidade, mas hoje eu sei que é diferente, ou pelo menos quero que seja. A tarde foi reflexiva e terminou pedindo uma noite prolongada. Ta aí. Não sinto frio e há um mês não chove na terra da garoa. Parece que as expressões não cabem em alguns momentos. Ou talvez estejam velhas demais para serem ditas. “Eu te amo”? Enfim, seja o que for o que mantém os meus olhos abertos agora é o mesmo que mantém o meu coração fechado. Quem se importa que o meu sábado costumava ser azul? As palavras são sedutoras. Falar é muito bonito! Porém digo: sentir pode causar bolotas de alergia pelo corpo, dessas que coçam de repente e para valer. Como sei? Bem, eu criei a minha própria cartilha com tais e tantas palavras sedutoras. Acreditei em tudo o que disse. Aboli o guarda-chuva dos meus itens de acessórios. Regrei meus atos, achei que pudesse supor sentimentos. Mas vez ou outra me pego com a bóia debaixo do braço. “Nunca se sabe quanto a chuva pode chover”. Perceber que a pior das pinturas da cara é aquela que pretendia ser definitiva não é lá muito agradável, aliás, é foda. Farsa que fala, fala e diz? Cansei da idéia. Bela, suprema, fascinante! Sustenta, mas me pára. Quero as minhas pernas livres, meus pés descansados. Cabelos e voz ao léu. E quem sabe um pote de bolotas coçadoras, talvez eu volte a abrir a tampa.

- Um dia, estaremos além da matéria. Além do caos presente. E as palavras buscarão decodificar sentidos. E os sentidos estarão libertos. -

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Veloz em tintas

Noite clara, conduta instigante. Começo assim uma noite enfiada em delongas incessantes. Se a minha cabeça pudesse parar um instante, certamente eu dormiria, mas insisto em acordar daquele brando sonho de uma vida de começo e fim. Abro a janela para deixar que o vento leve tais sentenças. No alto, a lua deixando-se mirar mostra-se inócua. Ela sempre bela, donzela de várias faces, está embriagada de substâncias sápidas. Meu hálito não pode descortiná-la. Sim, estou com vinho em meus lábios, entre os dedos, na língua. Certa de si. "Não suporto coisas intocáveis, ao mesmo tempo me perco fascinada por elas". Fecho a janela, ignorada. Abro a minha caixa de dores para chorar um pouco, mas ela está despovoada. Não devo chorar. "Os deveres me cansam". Deixo, então, a caixa aberta, em cima da cômoda, para que alguma dor possa entrar e se sentir confortável. Vestir estas meias para proteger meus pés do frio foi inútil. Ouvi dizer que os pés quentes mantêm o corpo quente, mas sinto frio na espinha. Nada irá me livrar de mim. Nada. Limpo a boca, engolindo saliva e precisando de razão. Alterar meu consciente faz-me acordar com dores fortes na cabeça, para mais uma vez eu lembrar que meus pensamentos estão nela. Preciso de razão? “A razão me esgota”. Abro o livro que me encara toda noite em uma página qualquer. Leio. “Você precisa de outra tragédia, não é?”. Eu não. Ou sim? Ele é sobrevivente, o personagem do livro. Eu só quero um pouco mais de algo. Insaciável desejo humano de ser notado. Me entregaria ao excesso, se motivo eu tivesse, mas talvez a minha noite esteja acabando e o meio ainda queira ser encontrado, num sonho. Visto-me! Primeiro a calcinha depois o blusão cor de rosa. Sem meias, conduzida a buscar o meio.
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A noite é escura, preta, vaga. Adoro vagar devagar por ela.
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música: Noturno Op. 9 n 2, de Chopin

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Fala baixo

Os espaços do corpo limitado pelo olhar dele não foram preenchidos, apesar de lhe serem cobrados. Ele reclama a falta deles. Ela quer que os preencha. Espaços distintos. Confusos. Abertos. Quando sua fala é mansa. Quando seu gesto é curto. Quando seu olhar é miúdo. Não é ternura, é desprezo. Não é delicadeza, é desprezo. Não é doçura, é desprezo. O corpo dela é desespero. Transborda o gozo surdo.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

De onde vem?

Maçã, maca, cana, mana, cama, anca, anca, anca pra quem tem.

Fragmentos, do zero

Gosto da folha branca.
Gosto branco da nuvem.
Passeia no trilho velho da máquina.
O velho da praça viva vira a esquina.
Sem lembrar quem vem.
Sem sequer ter fama.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Sim, ela pode dizer e escrever que ama

Lara leu dez rótulos de remédios sem cansar-se e sem os óculos. Ficou impressionada como tudo pode ser apenas palavras. Fábulas. As coisas não passam de um lírio caído numa folha de rosto, que um dia será um tapa na cara bem dado. Eu digo bem feito?

Quando Lara arrancou as suas máscaras, esqueceu-se de quantas ainda encontraria. Tão tocantes e sedutoras. Ele é pontual. Não perde o charme, nem a hora. E ela? Bem, a Lara nunca quis largar um amor, mas largou uma porção deles. Aprendeu a conviver com a falta, como se ela fosse algo. Há coisas que são pelo desgaste e há coisas que acabam por isso também.

Na última noite, tudo lhe pareceu longo e estranho. O uivado do cachorro. O celular apitando para dizer que a bateria estava acabando. O feijão sendo cozido na panela de pressão. A descarga do vizinho. Não carregava nada na face, a não ser pavor. Foram horas de arderem a alma. Queimou e meteu frio. Beber algo? Um vinho. Coloriu as bochechas rosando até as narinas. Nada mal rodopiar na roda viva. Alto som, breve dor.

Tudo se transformou em um não sei. Sem óculos ela enxerga. A gente afasta justamente para não perder o que foi afastado. Sem máscaras ela sente. Perde antes, porque Lara não espera. “A gente rodou num instante, nas voltas do meu coração”.

domingo, 20 de abril de 2008

Cão, cão, cão

Na insanidade da minha calça jeans tento me manter sentada, com os olhos parados, esbugalhados a flagrar pela janela aberta - que venta vento doído - a rabiola da pipa colorida que sobe e desce. Sobe e desce. Não diga que a menina de vestido florido pode pegar na maçaneta da porta fechada. Quando a buzina passa na rua, o brilho do asfalto reluz na retina da minha poesia refletida no verso da folha esquecida. Bandida menina que soa o sino, badala a criança na balança da vida que pulsa e mata. Vá e diga que sim. Sinta. Sinta tudo o que puder. O carro parado te espera. Se o homem de preto não te deixa passar grude o bilhete na cortina. O mundo vê. O mundo vê você. Roda. Roda. Roda. Não diga nada. Só respire. Inspire e expire. Coloca para fora o que te incomoda. Cuidado com o pus na garganta. Use capuz para proteger-se do vento que corta. O olho está aberto. Não feche! A porta tem maçaneta. O tempo escorre macarrão espaguete. O tempo escorre molho de tomate. Vista a camisa. Coma com o garfo. Limpe a boca. Não feche os olhos. Acorda! A corda arrebenta a tormenta de ser o que se quer. Apenas um burro deitado num piano soprando para a pipa subir.
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(depois de Luis Buñuel)

segunda-feira, 24 de março de 2008

Inteiramente domingos

Falamos tanto em carta de amor. Falamos tanto em escolhas. Falamos tanto no acaso - que não existe para nós... Talvez existam domingos nossos de cada dia. Domingos para fazer de novo. Domingos do fim e começo. Domingos plenos. Domingos de mãos na barriga e ouvidos na pulsação. Domingos de olhos nos olhos e nenhuma palavra. Domingos de duras palavras e grandes suspiros. Domingos verdadeiramente domingos, dignos de preguiça, com zero de plano. Domingos que metem medo. Domingos que gritam de satisfação. Domingos que navegam e são navegados. Domingos que gozam geléia de verdade. São os domingos nossos de cada dia, que me preenchem, porque são nossos. Porque você é o meu instante, e me torna Michelle por inteiro.

Domingo

Verdades e mentiras não deveriam existir. Para que classificar o que se pensa o que se diz se somos tudo. Verdades para achar que são mentiras, mentiras para acreditar. Verdades que não afloram mentiras que magoam. Não me importará a classificação, se vejo só o que quero ver. Por que insistir em justificar através da “verdade” e fazer através da “mentira”? O frio que vem na barriga provém da verdade que tento disfarçar. A insegurança que vem a cabeça provém da mentira que não quero escutar. Verdades e mentiras. Até me parecem iguais. Alguém ainda me dirá que isso é perigoso. Mas mergulho em camadas desta confusão que é falar, pensar e sentir. Ora me encontro dupla. Ora não me encontro. Tudo está preso na idéia. Devo querer ação. Os instantes me tornam inteira, nem dupla, nem vazia, inteira. Ser apenas isso já me vale um tanto. Não quero as questões. Verdades e mentiras sempre serão demais para mim. São cruéis, reduzem a complexidade de tudo. Se é verdade é verdade. Se é mentira é mentira. Simples. Eu quero sempre mais, o todo contaminado, infectado, sem ressalvas nem reservas. Vá diga que há tempo para o domingo ser assim. Diz. Serão apenas palavras. Diz. Estou pronta para crer.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

E há beleza

Por pouco esqueço que eu sou a Michelle, aquela que usava uma blusa amarela, gola alta e que nunca quis evitar um sorriso. Em horas como essas, recorro a ele, o samba. Me sabe mais do que imagino.

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar
Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
(Candeia)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Criatura pregada

As certezas me assustam mais do que as dúvidas.

Liberdade?

Não sei. Arrisco, hoje, dizer que é a tradução do ser no seu estado bruto. A avalanche de sentidos somada à ação.
Dizer sim, quando se sente sim.
Dizer não, quando se sente não.
Andar, antes de engatinhar.
Pintar, antes de desenhar.
Amar, antes de beijar.
Transar, antes de se apaixonar.
Mais do que decidir é sentir e agir, agir e sentir.

Para além das máscaras

Atuar é como me virar do avesso. Os olhares da platéia me despem de toda a verdade segura, como se ela fosse seca. Seca a garganta, contrai e descontrai os músculos, exala cheiros. A história de vidas nasce tão intimamente quanto o colo da mãe e o choro do filho.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Apenas letras


"Quando um homem deixa de escolher, ele deixa de ser homem"


Stanley Kubrick




Ela não escolheu o senso comum.
Ele está impregando de mágoas e medos.
Preferiu se recrirar, se refazer, se reinventar, se destruir.
Ela não escolheu a bondade.
Ela é covarde.
Impede de agir e sentir a verdade inteira do seu próprio ser.

"Do que você se acha capaz?
De ser aceito?
Isso é tudo o que pode?"

Ela escolheu ser livre.
Foi aprisionada às regras da liberdade.
Padeceu.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Há tempos não chupo manga

A ignorância momentânea me leva aos deleitos prometidos em algum dia perdido. Na cama, sem nenhum cigarro depois do sexo e com um livro boquiaberto parado em cima do criado mudo. Nua, quis sentir ventar. Na varanda venta, lembro dele murmurar. Ventou até arrepiar.

Deitada no chão, olhei para a vida que anda lá fora. Entre listras, pude ver singularidades de uma rua qualquer. Hoje eu me lambuzei de manga, sem temer os fiapos que ficam no meio dos dentes. Gosto doce. Cheiro bom.

Voltei ao quarto incompleta. Apaguei a luz e lembro de ter dito "boa noite". Anos depois, lembraria do cafuné antes do sono profundo. Mais íntimo do que o sexo que fizemos, o sono. Isso é entrega. Dormi ao lado de um homem alto, de barba serrada, voz macia, toque áspero, desconhecido e poliglota - que nada tinha a falar.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

20 e poucos anos

Num mundo profano me dano.
Entre cheiros e sabores de tantos amores.
No vazio preenchido por atores.

Na esquina divina, divido e duvido.
Dos espelhos que me enxergam.
Das questões que me proponho.

Suponho ser mais, muito mais.
E ainda sim, sinto frio ao amanhecer.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Cibelle

Cibelle nunca foi capaz de questionar a igualdade. É igual desde que nasceu. Ela se repete como os éles do seu nome. Cibelle. Ah, como queria tocá-la, sentí-la. Sei mais dela do que de mim. Tão exata. Cada linha que me mostra revela perfeição. Cada linha que me mostra revela despudor. Cada linha que me mostra constrói massas, tecidos de horas que virão. Mais do que original, é igual.

Passaria dias olhando sua imagem, sentada na penteadeira. O que tens dentro destes olhos ingênuos? Por que me hipnotiza tanto me permitindo falar sem parar. Você tão calada. Eu tão articulada. Mas somente frente a ti. Quando não a vejo esqueço-me de mim. Quando a perco, o esforço para me tornar o que me fez enxergar parece tolo. Só Cibelle. Do que aprendi nada sei. Do que vi nada lembro. Do que falei tenho medo - a ti falei tudo. Quando sumiu dos meus sentidos busquei conselhos daqueles de anos bem vividos. Esvaziei-me, então. Sem perceber que aqueles de anos bem vividos jamais saborearam o gosto azedo, como eu e ela. Acreditei em palavras duras, verbos sujos, verdades descoradas. Recorri a ele, o azedo. Azedei meus poros desejando ignorância, desejando olhos vendados. Pude sentir exalar deleites sofridos em instantes inertes. Foi um alívio. Descalçada, sem linha alguma, decidi nutrir por dento o que de fora havia me dado. Refletida. Eu era apenas linhas e curvas. Só. As horas ainda virão e os passos devem ser cada vez mais certos.

O mundo de Cibelle tem carrossel e histórias em quadrinhos. Tem gargalhadas de garganta e sorrisos num piscar. Tem peito aberto e machucado no joelho. Tem segredos de ciranda, pega-pega e leite quente - que um dia irá azedar. E ainda laços de cabelo desenhados na pele. Cibelle é Michelle com todos os élles. Onde você está?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Caracol

É impressionante, quando a gente dobra as cordas elas voltam a se esticar. Tem coisa que precisa ficar no lugar. Aprendi isso na marra, sem amarra. Bom mesmo seria arrebentar. Estourar com tudo. Esticar, esticar, esticar até romper. Todo aquele emaranhado que parece não ter fim, um dia cessa. Bum. Acaba! Se bem que, às vezes, é mais fácil enrolar bonitinhho e guardar numa caixa. Ela finge que fica no lugar e você finge que ela está bem lá.
- Ainda não fiz a minha escolha. Deixo este texto assim, inacabado. -