sexta-feira, 12 de junho de 2009

Desarrumadas as coisas ficarão

Ana era a única virtude de Carlos. Moça de perfil bem alongado, sorriso de lado e um jeito pra lá de abusado. Costumava fumar admirando o cigarro, só para ver a fumaça se esvair lentamente, enquanto soltos, os pensamentos iam junto. A abstração vivenciada neste momento permitia passos mais longos, que jamais teriam alcance. Nunca se sentira pronta para viver uma paixão. E qual mulher se sente?

Encarava o prazer com o mesmo rigor da dor. Mesmo assim buscava um amor. Um amor que ela não conseguia definir. Um amor tão ideal que jamais poderia existir. No seu quarto, roupas fora do armário, livros fora da estante, quadros fora da parede. A desordem aparente refletia sensações profundas da palpitante jovem. Sua alma desorganizada pelos sentimentos aflorados por um homem estava inquieta. Apenas uma paixão é capaz de desconstruir uma vida inteira.

Tudo para fora. Tanto por fazer. Seu corpo pequeno mal continha tamanha vibração. Sabe aquela coisa que não cabe dentro da gente? Sabe quando a gente sente a barriga invadida por borboletas atrevidas? “Estou viva”. “Viva”. Ana somente supunha a vida. Porém, entregar-se significaria arriscar-se a decepção. Significaria aceitar a morte. Preferiu, então, guardar apenas a possibilidade de ser, a improbabilidade da realização. Preferiu, então, a eternidade.

E aquele sujeito um tanto desajeitado, o Carlos, que cuspia no chão e usava botas desbotadas acompanhadas de camisa amassada decidiu esperar por uma possível ordem da moça. Falava com os olhos quando a olhava. Sorria de verdade quando a encontrava. Ana, somente ela o fazia melhor.

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