quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Em São Paulo...

Anseio. Fome. 3h55.
... Mais uma madrugada em claro de uma noite pouco iluminada. Hoje a lua resolveu se esconder. Ela que sempre me rouba o olhar. Ela que parece estar embriagada ao me escutar. Ela capaz de me desviar do rumo. Ela, minha companheira de vinho e confissões, me pregou uma peça. Sumiu. Busquei pelo céu. Em algum reflexo de água, mas foi inútil. Não a encontrei. Devo me conformar com esta solidão pelo resto de horas que faltam para o nascer do sol. O que faço? Penso em você. Em seus olhos. Mãos. Boca. Sexo. Assisto a uma mistura de lembranças. Sonhos. Vida. Vivo. Sim, eu vivo ao teu lado, no céu da tua boca. Cheirando a tua pose, teu andar desajeitado. Engolindo teu sorriso amarrado, tua pele excitada. Sentindo tua cara contrariada, teus apertos. Imagino. Invento histórias de nós dois e tudo parece menor. Como se o mundo estivesse às voltas e nós apenas continuássemos caminhando. Ilesos. A incerteza me vigia de longe, enquanto eu atravesso esta breve ou longa noite. Experimento um tremor cálido e tentador por não saber. Porém devo admitir eu adoro o escuro. Tateio. Estranhezas de um universo ambíguo. Feminino. Histérico. Louco a borbulhar flashs de poesia. Sem dor. Com dor. Libidinosas palavras que a cabeça conta e reconta. Sanguíneas. Esta ausência lunar deverá me modificar. E eu gosto disso. Respiro profanos deslizes nas profundezas da cidade. Nas profundezas das minhas entranhas. Que desordem adorável. Caótica, eu! Santifico o mal que há em mim como se dele não precisasse. Como se dele também não fizesse morada. Evoco limpidez. Sim, há pureza na lua. No entanto hoje, justamente hoje, ela resolveu se mascarar neste negro céu. Onde você está? Figurou-se em rastro. Em aroma lascivo a cutucar meu sono. Sinto teu corpo tocar o meu. Pêlo com pêlo. Gozo seu hálito. De cachaça vagabunda. Aperto sua camisa amarrotada, em intermitências de um corpo atordoado. Tremo. Não há frio, nem calor. Há apenas eu. Você? A lua? Eu apenas. Fecho os olhos para deixar que esta sensação me penetre aos poucos. Solidão. Deite comigo. Me possua. Desgaste o gasto. Saboreio uma invasão de fantasias. Jorro o vinho corrompido. Lambuzo meu suor. Você merecia um brinde agora, mas não resta uma gota. Noite bordada à mão. Ponto a ponto. De um tempo a dissipar cintilantes fagulhas de meu modo pouco regrado. Fito de perto. Ventilo imagens, sons, grunhidos. E eu sei estamos caminhando. Amanhecendo. Guarde tudo o que te confiei. Murmúrios de noites indignadas. Danadas. Indagadas. Desejadas. Sagradas. Maquiadas. Perturbadas. Ó casta lua reserve meus segredos, meus discursos, meus prenúncios, minhas sentenças, já que tudo é criação. Imaginação. O real morre a cada instante e se transforma em recordação. História. Poesia. Projeção futura. Promessa. Minha prosa. Meu verso violado. Meu riso inacabado. Meu horror desesperado. A única verdade é o Amor. Ele sim é inviolável. Você é o meu Amor materializado. Meu Amor heróico. Meu Amor sujo. Meu Amor puro. Meu Amor. Desatinada madrugada me escondeu a lua. Desatinada vida me mostrou você. Minha verdade escancarada. Minha vontade desmedida. Minha glória e minha ruína. Eu. Apenas.
Nesta madrugada o sol surgiu brilhando forte. Emanou luz.
Clareou, para enfim, findar-me.

(depois de Marçal Aquino em "Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios")

2 comentários:

Anônimo disse...

Roubo estas palavras "sem dono" pra mim. Definitivamente.

Um brinde

La Mariposa disse...

Às vezes penso que seria mais interessante saber de onde provém tais comentários anônimos, porém chego a conclusão de que não saber também é bom. Dá asas à imaginação.