segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Alvorada

Naquela manhã o despertador não tocou e Lucia acordou com as horas grudadas no céu da boca. Não saiu da cama por duas vezes e correu sem parar durante o sono. A hora do xixi matinal não passou. A preguiça espreguiçada durou a eternidade. E mais uma vez ela sorriu ao perceber a vida tranqüila a qual se propusera. Lembrou do sonho da noite passada, tão exato quanto à maquiagem que usa antes de sair de casa. Mirou a janela para que os ouvidos pudessem ouvir o barulho da cidade. Silenciosamente ela ouviu o bocejo e continuou na cama. Em oito quilômetros estaria na sua mesa para mais um dia de trabalho. Quis chorar, mas antes pensou “é questão de tempo”. Sem lágrimas, virou para o espelho e viu o rosto sem remelas, sem rugas, perfeito como as contas de somar do primário. O copo de água intacto em cima do criado mudo causou estranheza. “Não tomei água ontem?”. Sentiu a garganta seca e tentou salivar três vezes. Sem conseguir, caiu num choro esquecido, tão velho quanto a sua tristeza, tão novo quanto a sua vida. Gritou para as cores vivas. Amarela, vermelha. A essa altura o tempo não era mais a questão, as cores estavam apagadas e o seu caso não permitiu espera. Sua vida de “sins” havia se transformado na negação de viver. Inventou que era feliz por um segundo e não suportou o peso da invenção. Ela evitou a dor da sua existência e deixou de existir.

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